A investigação defensiva como uma necessidade democrática
Publicado originalmente em 11 de agosto de 2022
Por Rodrigo Oliveira de Camargo e Gabriel Bulhões
A investigação pela defesa e o processo penal brasileiro
Os sistemas inquisitório e acusatório, bem como os princípios que os informam, são produtos de épocas e necessidades diferentes, sendo hoje compreendido como um fator que indica a aderência de uma nação constitucionalizada a um projeto democrático: em geral, países com maior ou mais recente histórico de governos autoritários e opressores tendem a apresentar mais traços inquisitivos em suas legislações processuais, ao passo que países com governos tidos como democráticos e melhor estabelecidos gravitam em direção a caracteres de um sistema preponderantemente acusatório (LOPES JR., 2005, p. 155-156).
A escolha dos elementos nucleares de cada modelo é “condicionada por juízos de valor em virtude da conexão que indubitavelmente pode ser instituída entre sistema acusatório e modelo garantista e, por outro lado, entre sistema inquisitório, modelo autoritário e eficiência repressiva” (FERRAJOLI, 2002, p. 452).
A paridade de armas no processo penal é uma necessidade democrática, a qual visa o aprimoramento das instituições que compõem o sistema de justiça e a observância concreta de direitos e garantias fundamentais.
Tudo isso porque a Constituição Federal instituiu o sistema processual penal acusatório, com a delimitação de papéis bem definidos e que permitem um equilíbrio pela equidistância da acusação e da defesa ao órgão julgador, devendo essa condição ser reconhecida em todas as fases do exercício do jus puniendi estatal, inclusive na investigação preliminar.
Movimentos político criminais contemporâneos fundamentam projetos de reformas e concretizam normas que conferem ao ente privado a capacidade de produção de atos de investigação durante a apuração preliminar, atividade antes concentrada e condicionada à discricionariedade da autoridade pública.
O PLS 156/2008, que propõe a reforma global do Código de Processo Penal, dispõe sobre a faculdade outorgada ao investigado que, a seu favor e por intermédio de advogado ou mandatário com poderes expressos, poderá tomar iniciativa de identificação de fontes de prova durante a fase da investigação criminal, inclusive podendo coletar depoimentos desde que precedidos de esclarecimentos sobre seus objetivos e do consentimento do entrevistado.
Por isso, BALDAN defende que a demarcação dos elementos de convicção contidos no inquérito transcendem a função acusatória, pois a investigação também possui função intransitiva que impõe uma apuração legítima não condicionada ou subordinada exclusivamente pelas razões da acusação, o que revela dissimulada antecipação de instrução em favor de uma única parte.
Cabe assim à autoridade investigante manter também um papel de equidistância entre aqueles que se converterão, no futuro, partes adversas no processo penal. Sua atuação deverá estar orientada pela neutralidade, pois se persistirmos pensando a finalidade da investigação criminal sob o prisma exclusivo dos interesses acusatórios, seguiremos reduzindo a incidência dos direitos da defesa, pois, ainda que presentes na etapa judicial, deficientes na fase preliminar (BALDAN, 2017, pp. 388-389).
Neste contexto, pensar a paridade de armas em sua concepção moderna significa reconhecer que nenhuma das partes pode postar-se em uma posição desvantajosa em relação à outra, o que deve ser assegurado em qualquer momento da persecução penal estatal, bastando que haja qualquer imputação formal e material.
Essa interpretação decorre da análise sistemática da jurisprudência do Tribunal Europeu de Direitos do Homem e do Tribunal Penal Internacional, que ampliam o conceito de acusação à apuração preliminar e asseguram direitos específicos ao imputado nesta fase da persecutio criminis (BALDAN, 2017, p. 390).
Elementos estruturantes do devido processo legal, como a necessidade de regramento legal emanados do poder legislativo e amparado em disposições justas e razoáveis, a existência de instrumentos formais adequados de aplicação dessas normas jurídicas e a condição de equilíbrio entre os sujeitos e os reflexos dessas práticas na legislação seriam os elementos identificadores da (i)legalidade da atuação estatal no processo penal (BALDAN, 2014, p. 156-184).
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