Investigação Defensiva a um passo de ser regulamentada

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil decide nessa terça-feira (22), em Brasília, se regulamenta ou não a possibilidade de advogados apurarem e produzirem provas. A prática da chamada “investigação defensiva” não é proibida no País, mas a atividade ainda não está devidamente formalizada. A proposição foi elaborada pelo advogado potiguar Gabriel Bulhões, especialista na área criminal, e se aprovada vai ampliar a possibilidade no País de fazer valer direitos e interesses de uma pessoa diante da Justiça. A meta, em um próximo momento, é transformar a regulamentação em lei.

A proposta tem abrangência nacional, e Bulhões co-assina o projeto que visa a regulamentação dessa prática advocatícia com o presidente da OAB-RN Paulo Coutinho.
O advogado Gabriel Bulhões, co-assina o projeto que visa a regulamentação dessa prática advocatícia.

Pouco difundida no Brasil, a investigação defensiva, que em essência defende os interesses de uma das partes em determinado processo, é um recurso comum nos Estados Unidos. Apesar da combinação das palavras não soar familiar, sua prática é simples de ser entendida quando se recorre a exemplos: nas séries norte-americanas que retratam o universo jurídico, é fácil topar com advogados que promovem investigações paralelas às já realizadas pela polícia para ajudar um cliente – inclusive com a ajuda de detetives particulares.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrevistou Gabriel Bulhões sobre detalhes e implicações da regulamentação da investigação defensiva:

Apesar da investigação defensiva ser pouco conhecida no Brasil, ela é permitida e muitos casos já lançam mão desse artifício. O custo para viabilizar esse tipo de expediente é alto?

Existem demandas e diligências de baixo custo que podem sim ser encaminhadas. Porém, boa parte das medidas de diligência e procedimentos, como contratação de peritos e/ou equipe de detetives particulares por exemplo, tem um custo mais alto. Então, além das limitações de ordem normativa (constituição, leis e código de ética), temos limitações no plano cognitivo e a limitação de recursos. No primeiro ponto entram a criatividade e o traquejo do advogado para saber se uma medida e/ou diligência se encaixa ou não em determinado contexto.

E como estender essa possibilidade para a população menos abastada?

Estruturando as Defensorias Públicas para atuar em favor dos mais necessitados, que merecem e tem direito a ter uma defesa eficaz: seja do ponto de vista criminal, ou da defesa dos interesses enquanto vítimas. Por isso a necessidade de pautar, desde já, na instância governamental, estatal e pública, o aparelhamento das Defensorias com setores e pessoal próprios para desenvolver esse tipo de atividade.

Como a prática da identificação defensiva funcionaria em um tribunal?

O projeto de lei que altera o Código de Processo Penal traz a figura do juiz de garantias, que atuaria na fase pré-processual deferindo ou indeferindo medidas cautelares diversas. Ele cuidaria das medidas investigativas, diferente de hoje onde cada juiz atua da fase investigativa até a sentença condenatória – rotina que pode acabar contaminando a imparcialidade a neutralidade que um julgamento deve ter. Com a presença de um juiz de garantia, o juiz responsável pele julgamento em si chegaria em uma audiência sem essa carga de envolvimento.

Como equilibrar o interesse de quem contrata uma investigação defensiva, com as apurações? É preciso ouvir todas as partes para se chegar a um resultado eficiente?

Não necessariamente, mas é de bom tom (ouvir todas as partes), uma atitude que demonstra a busca pela objetividade e confere uma lealdade processual benéfica para ambas as partes. Como o advogado exerce um ministério privado, e ele só está obrigado a fazer alguma coisa se estiver determinado em lei – e por ora não existe nada que regulamente a atividade (da investigação defensiva). Por isso a importância da proposição apresentada ao Conselho Federal da OAB, e a intenção de levar o projeto ao Congresso Nacional para se tornar lei. De qualquer maneira, esse recurso (de colher depoimentos) é a última diligência de uma investigação.

É correto afirmar então que, como o procedimento ainda não é lei, uma pessoa convidada por um advogado não é obrigada a comparecer e/ou prestar esclarecimentos?

Exato. Qualquer ato, qualquer medida ou diligência de uma investigação defensiva, vai contar com o voluntarismo. Quando alguém é intimado por um advogado, ela não é obrigada a comparecer. Ela vindo, ótimo; se não vier, a omissão também pode falar.

Com a regulamentação essa situação pode mudar?

Só quando se tornar lei federal. O que temos hoje é a seguinte situação: o Ministério Público ou a autoridade policial, quando intima alguém e essa pessoa não comparece, ela pode responder por crime de desobediência ou comparecer sob condução coercitiva.

O que muda com a aprovação do Conselho Federal?

O objetivo é trabalhar o tema dentro da constitucionalidade, da legalidade e do plano ético, pegar o que já é possível ser feito e disciplinar. Dessa forma teremos legitimidade e segurança jurídica para atuar, e aí poderemos evoluir para um segundo momento – de elaborar um projeto de lei.

Envolver o viés criminal em questões cíveis traz celeridade para tramitação de um processo?
Sem dúvida. No âmbito criminal temos a possibilidade de ir mais à fundo em uma prova, que no âmbito cível. Com o auxílio da investigação defensiva, uma conduta de inadimplência pode ser encarada como estelionato – e com essa nova configuração criminal, a espera de anos pelo andamento de um processo cível é reduzida: o trâmite é mais célere, não prescreve e ainda pode tolher a liberdade do acusado. Na maioria dos casos, a pessoa não quer arriscar (de ir presa) e acaba buscando formas de solucionar a questão em vez de ficar protelando. Isso também vale para relações trabalhistas.

É fundamental vincular o trabalho da investigação defensiva conforme a linha de investigação da polícia?
É exatamente ao contrário. A investigação defensiva traz possibilidade de autonomia à advocacia com relação ao trabalho estatal. Eventualmente, se for do interesse da defesa, ela pode antecipar e trazer para conhecimento da autoridade policial o que foi apurado – sendo que o material apresentado pode, ou não, ser acatado. É importante frisar que quem preside o inquérito é a autoridade policial, quem preside o PIIC (Procedimento Interno =de Investigação Criminal) é o promotor, e quem preside a investigação defensiva é o advogado. O curso, o desenvolvimento, o rumo, as diligências a serem adotadas, e/ou o momento de comunicar às autoridades o que foi apurado é estritamente decisão do advogado em conjunto com o cliente.

O material coletado durante uma investigação defensiva precisa ser, necessariamente, comunicado à polícia?
Não, na maioria dos casos as provas colhidas é juntada dentro do processo e trabalhado no tribunal do júri, durante a hora de apresentar argumentos com os elementos de defesa.

Como a investigação defensiva ainda é, por ordem financeira, restrita a clientes mais abastados, não há o risco de um réu culpado contratar um serviço para se livrar de uma acusação? Sua prática não abre margem para um tipo de erro induzido?
O advogado que fizer isso estará infringindo, primeiro, o plano ético, e em segundo lugar ele estará cometendo condutas ora criminosas ora delitos civis. Em nenhuma hipótese ele vai poder falsear a verdade. Se chegar ao ponto de, no curso da investigação, ele disser que só angariou provas em desfavor do cliente, o máximo que pode ser feito é omitir o resultado de uma investigação defensiva – o réu tem o direito de não produzir provas contra si. O que não pode acontecer é levar algo falseado, adulterado, para o tribunal. Temos que estar muito atentos para coibir, reprimir, e evitar que atitudes de maus profissionais contamine o trabalho do restante.

Tem exemplos de casos resolvidos?
Sim. Defendi um cliente vítima de flagrante forjado, e com as provas que colhi durante a investigação defensiva ele acabou absolvido de quatro acusações. Durante o trabalho, voltamos ao local do crime, procuramos testemunhas que não haviam sido localizadas pela investigação pública, e identificamos outros elementos que na narrativa da defesa fizeram mais sentido para os jurados do que a acusação. Em outro caso, a versão acusatória de um cliente foi desconstruída e ao final ele acabou tendo sua prisão relaxada por causa das provas que juntamos. Atuei em outro caso em João Pessoa (PB), onde fiz um trabalho de investigação defensiva, apresentei ao Ministério Público que pediu para o caso ser reaberto diante de novas evidências. A questão voltou a ser investigada pela polícia, mais três testemunhas foram ouvidas e o caso, que envolve uma frade de R$ 4 milhões, que era considerado concluído, voltou a tramitar.

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