Projeto Anunciação produz Habeas Corpus para garantir direitos de detentos.

De acordo com o último levantamento feito pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), cerca de 40% das pessoas que estão presas no Brasil sequer foram julgadas na primeira instância. Cientes desse índice e de que as prisões provisórias têm se mostrado como um dos agentes responsáveis pela crise do sistema carcerário brasileiro, o projeto Capitólio desenvolveu a ação de extensão Anunciação com o objetivo de produzir Habeas Corpus para tentar garantir direitos de pessoas detidas.

Participaram da ação 18 estudantes do curso de direito do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e três estudantes de outras instituições de ensino de Natal, que passaram por um processo de seleção realizado pela equipe do Capitólio. Os alunos foram acompanhados por advogados e defensores com experiência em direito penal, que deram todo apoio na elaboração das peças e orientações de como atuar para ter acesso às informações dos processos.

Segundo a professora Anna Emanuella Rocha, coordenadora do projeto, o Anunciação traz benefícios para os alunos e, principalmente, para a sociedade. “Ao mesmo tempo, nós retornamos alguma coisa para a sociedade porque somos uma Universidade Pública, garantimos um aprendizado prático para o nosso aluno e uma vivência da real situação no caso em termos de Direito Penal”, destaca.

Para elaboração dos remédios judiciais, os alunos participaram de um minicurso ministrado por Manuel Sabino Pontes – defensor público no Rio Grande do Norte, especialista em Direito Constitucional e em Direito Processual Penal, e Gabriel Bulhões – advogado com especialização em Ciências Criminais e presidente da Comissão dos Advogados Criminalistas (Comacrin) da OAB/RN.

Após a formação, os alunos foram divididos em sete grupos que tiveram acompanhamento de um dos coordenadores do projeto e de profissionais do direito, e escolheram casos reais de pessoas que foram detidas com características de abuso do poder estatal. Para isso, os grupos acompanharam Audiências de Apresentação – conhecidas popularmente como Audiências de Custódia – e puderam perceber, no local, casos que realmente merecessem aplicação do Habeas Corpus.

O aluno Karielson Fernandes, do 7º período do curso de direito, participou da ação e acredita que foi uma oportunidade de viver um pouco da profissão e de crescer enquanto cidadão. “Escolhemos um caso que mais fizesse o nosso perfil nessa atuação e, além de termos um aprendizado prático, tem também a questão cidadã já que qualquer um do povo, tenha ou não formação acadêmica em Direito, pode impetrar um Habeas Corpus em favor de qualquer outra pessoa na defesa do direito de liberdade”, ressalta.

Para o advogado Gabriel Bulhões, ex-aluno da UFRN e orientador de um dos grupos, a ação é uma grande vantagem para alunos e para a sociedade. “Eu fico muito satisfeito e é uma realização enorme ver um projeto com essa magnitude que começa a tomar corpo aqui no estado na promoção da cidadania”, enfatiza.

Prática
O Anunciação foi considerado pelos alunos uma oportunidade de ir além dos conteúdos vistos em sala de aula. Além de conhecer um aspecto técnico da advocacia, os participantes experimentaram parte do que os profissionais vivem no cotidiano, como por exemplo, os trâmites burocráticos dos processos penais.

O grupo dos alunos Daniel Diniz, Karielson Fernandes e Lucas Medina, por exemplo, enfrentou problemas técnicos no sistema e problemas para registrar o Habeas Corpus: “Tivemos que ir pegar o processo na zona norte de Natal e, quando chegamos lá, o sistema estava fora do ar e não tínhamos como pesquisar. Nós também passamos a manhã toda para conseguirmos dar entrada com Habeas Corpus no Tribunal de Justiça (TJ)”, relata Karielson.

Mesmo não participando diretamente da elaboração dos Habeas Corpus, a aluna Layse Dias, do 7º período de direito, da coordenadoria de conteúdos do Capitólio, destaca que a ação transforma a visão do mundo dos participantes. “É dada a oportunidade de mudar, de fazer a diferença e, além disso, de poder se colocar no lugar do outro, desenvolver empatia”, explica.

Boa parte dos Habeas Corpus passaram pelo exame formal mas não foi dada ordem, pelo desembargador que as analisou. Assim, eles ainda serão julgados definitivamente pelo colegiado de juízes na turma do TJ Criminal, provavelmente, no início deste ano.

Os grupos continuam acompanhando o andamento da ação e alguns deles já buscam dar entrada com o registro de estagiário da OAB para poder acompanhar e fazer a sustentação oral nos casos que estão patrocinando com o acompanhamento de um advogado. Além disso, a coordenação do Capitólio espera que a ação possa ser repetida ainda este ano, para dar oportunidade a outros estudantes.

Reconhecimento
Em novembro de 2017, todos os envolvidos no projeto participaram de um evento de avaliação onde puderam compartilhar suas experiências com toda equipe. Na ocasião, o trio formado pelos alunos Lucas Medina, Karielson Fernandes e Daniel Diniz, acompanhados pelo advogado Gabriel Bulhões receberam um certificado de destaque pelas atividades desenvolvidas.

Para Layse Dias, que acompanhou a escolha do grupo premiado, a seleção foi difícil. “Resolvemos premia-los porque eles souberam unir excelência, proatividade e trabalho em grupo. Participaram de todos os módulos do minicurso, foram às audiências e, na primeira oportunidade que tiveram, escolheram um caso difícil, respeitaram os prazos e, ao final, apresentaram uma peça muito bem redigida e com alta qualidade técnica”, ressalta.

O grupo em destaque recebeu a comenda Luiz Gama, emitida pela coordenação do projeto em parceria com a Secção do Rio Grande do Norte da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/RN). O título é uma homenagem ao maior abolicionista do Brasil que foi vendido como escravo, quando criança, lutou contra o analfabetismo e foi considerado um dos grandes advogados do país, sendo reconhecido pela OAB, 133 anos após sua morte.

Capitólio
O projeto é desenvolvido por professores e estudantes ligados ao curso de direito da UFRN com apoio de empreendedores que promovem atividades em prol do desenvolvimento acadêmico e pessoal de seus membros e da sociedade.

Além do Anunciação, o grupo desenvolveu cinco edições da Semana Jurídica da UFRN, o Programa Abril Empreendedor – que conecta estudantes a profissionais do mercado, a Liga Capitólio – um momento de interação com estudantes, professores e profissionais do mercado através do esporte, e o Prosa Social que promove debates com interdisciplinaridade entre as áreas do conhecimento, interagindo com professores e profissionais convidados.

Reportagem: Jeferson Rocha e Guilherme Arnaud (Asscom CCSA/UFRN)
Fotos:  Lara Marinho (Capitólio)

Fonte: Portal CCSA/UFRN

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