Defesa na era digital: a importância da disponibilização integral dos vestígios obtidos pelo MP.
Por Paula Renata Gomes
No cenário jurídico contemporâneo, a utilização de dados eletrônicos tornou-se fundamental para investigações e processos judiciais. Este artigo aborda as complexidades enfrentadas pela Defesa no acesso integral e oportuno aos dados eletrônicos, destacando a necessidade de garantir a paridade de armas e o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa.
Os dados obtidos por meio de dispositivos eletrônicos desempenham um papel crucial na formação da opinio delicti. Contudo, uma lacuna significativa surge quando o Ministério Público não inclui a cópia forense das extrações nos autos, elemento probatório essencial para a construção da defesa.
Em que pese seja facultado ao MP o recorte daquilo que lhe interessa, a disponibilização da íntegra dos dados referentes aos espelhamentos forenses constitui elemento necessário à garantia da Defesa Técnica, consoante o artigo 5º, LV[1], da Constituição Federal, sem embargo do que dispõe o inciso LIV[2], do mesmo dispositivo constitucional, o qual trata do devido processo legal.
Nesse contexto, a abertura de prazo para a apresentação de Resposta à Acusação sem acesso integral ao material utilizado na denúncia configura um cerceamento flagrante, violando a garantia da paridade de armas. Além disso, a possibilidade de adição da denúncia com base em novos elementos em análise aumenta a incerteza para a Defesa, que pode ser surpreendida a qualquer momento.
Saliente-se que a Defesa, além de não localizar nos Autos a integralidade dos elementos dos quais fundam as acusações, também dispõe de tempo ínfimo para a apresentação da Resposta à Acusação. Para exemplificar, destaca-se um caso patrocinado por este Escritório de Advocacia, no qual se deparou com a imposição de um prazo exíguo de 10 dias para a apresentação da Resposta à Acusação em um cenário que a acusação teve o período significativo de quatro anos para construir meticulosamente seu arcabouço probatório, contando com acesso irrestrito e unilateral aos elementos produzidos.
Na ocasião, foi concedida Decisão favorável ao sobrestamento do prazo até a disponibilização integral de todos os dados extraídos dos aparelhos eletrônicos apreendidos.
Necessário, portanto, o direito da Defesa de ter acesso à integralidade da prova na sua originalidade para que lhe seja garantido o contraditório, na mesma medida em que a prova é “filtrada” pela Autoridade Policial ou Órgão Acusador que traz para o Processo apenas o que lhe interessa. Contudo, o acesso aos espelhamentos dos dados deve ser anterior à apresentação da Resposta à Acusação, sob pena de deixá-la ineficaz. Nessa linha decidiu o Egrégio TFR4[3] na conhecida Operação LAVA JATO.
Tal fato poderá levar, inclusive, a se incorrer em possível reconhecimento de nulidade dos atos subsequentes. Nesse mesmo contexto, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça[4] decidiu por anular os atos de instrução da Ação Penal e, por conseguinte, a superveniente sentença prolatada para que fosse concedido a renovação de prazo para apresentação de nova Defesa a partir do acesso integral aos dados que estavam na posse irrestrita do MP.
Diante dos desafios enfrentados pela defesa legal no acesso aos dados eletrônicos, é imperativo que o sistema judicial garanta a integralidade, originalidade e oportunidade no fornecimento dessas informações. A busca pela verdade no processo judicial só pode ser efetivada quando ambas as partes tiverem acesso equitativo às provas. A garantia de ampla defesa e do contraditório deve ser o fundamento de um sistema jurídico justo e eficiente.
[1] ; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
[2] LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (…)”
[3] HC nº 5001762-94.2012.404.0000/PR, 8ª T., Rel. Des. Fed. LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, j. 27.06.2012.
[4] STJ – HC: 452992 SP 2018/0131718-9, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 13/10/2020, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 23/10/2020.