IA e o Direito: Possibilidades da tecnologia na atividade jurídica.

Por Tiago Menezes

 

Quantas vezes, nos últimos tempos, você se deparou com o termo “inteligência artificial”? Provavelmente mais do que com termos comuns à área jurídica, como “processo”, por exemplo. Mas a “inteligência” da máquina não é exatamente uma novidade, e fascina a humanidade há muito tempo.

O conceito de Inteligência Artificial é atribuído ao cientista da computação John McCarthy, que cunhou o termo em 1955. Já o britânico Alan Turing, responsável por decifrar o código secreto que a Alemanha nazista usava para se comunicar durante a Segunda Guerra Mundial, apresentou trabalhos fundamentais nesta seara ainda na década de 1950. O mais importante deles foi o artigo “Computing Machinery and Intelligence”, no qual indicava que a máquina poderia ser programada para “aprender” pelo mimetismo da inteligência humana. Por isso, Turing é considerado o “pai” da inteligência artificial.

Pois bem. Mesmo que relativamente recentes, há no mercado brasileiro programas com ferramentas de inteligência estatística para a análise de dados e o oferecimento de respostas tanto a advogados quanto a magistrados. E o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que analisa os números do Judiciário brasileiro e edita o relatório “Justiça em números”, diante dos alarmantes resultados – com o acúmulo de milhões de processos -, percebeu a necessidade de buscar soluções tecnológicas para otimizar a tramitação.

Uma delas foi a parceria entre a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e o Tribunal de Justiça do RN que levou à criação do Poti, sistema que ajudou significativamente a diminuir o número de ações judiciais no estado. Ele promove automaticamente a penhora de valores nas contas bancárias de devedores, além de atualizar o valor da execução fiscal e transferir o montante para as contas oficiais indicadas. Quando não há saldo na conta, novas buscas são realizadas em períodos consecutivos de 15, 30 e 60 dias.

O sucesso imediato resultou na criação de quatro novas IAs no TJRN: Jerimum, Clara, GPSMed e GPSJus. O primeiro classifica e rotula processos, enquanto o segundo lê documentos, sugere tarefas e recomenda decisões. Em suma, Clara insere no sistema uma decisão padrão, que pode ou não ser confirmada por um servidor.

Já o GPSMed acompanha, em tempo real, milhares de demandas de saúde dos cidadãos potiguares na via judicial, e detalha, com precisão, os principais gargalos. Inicialmente foi feita a busca e separação de documentos (sentença, decisão, petição inicial e intimação) de todos os processos e procedimentos distribuídos a partir de 2016. Após a remoção dos documentos, é executado um algoritmo de IA responsável pela identificação das doenças e medicamentos. Este algoritmo faz a busca baseando-se no CID e/ou em palavras-chave previamente mapeadas.

Há algumas semanas utilizamos a ferramenta, no GB Advocacia Criminal & Investigação Defensiva, para lastrear a fundamentação no caso de um cliente que faz uso de cannabis medicinal.

O GPSMed, se bem explorado, pode, inclusive, auxiliar o poder público e nortear investimentos. O que ajudaria a solucionar problemas que atingem a população há décadas.

Possibilidades

A análise preditiva consegue entregar possíveis cenários da determinação de um indivíduo de acordo com critérios objetivos de instrução e posição socioeconômica, por exemplo, e subjetivos, como o potencial conhecimento da norma. Assim, a aplicação da IA ao Direito pode nos levar ao cenário da predição da vontade do agente. O que pode ajudar no nível de conhecimento do sujeito ao cometer um delito – tanto da situação quanto da lei -, entregando uma punição melhor individualizada.

Um sistema baseado em inteligência artificial poderia, portanto, tornar a aplicação da lei mais justa. É o que se espera.

Programada com dados que levem em conta aspectos como instrução, posição socioeconômica e conhecimento da norma – indicando o nível de vulnerabilidade do indivíduo –, é possível que a IA seja capaz de mensurar a autodeterminação dos criminosos ao cometerem os delitos, e estabeleça, com certa precisão, a responsabilidade e culpabilidade do agente.

Em resumo, enquanto modelo analítico, preditivo, a IA já oferta um grande cardápio de opções de utilização no meio jurídico. Seus efeitos são inegáveis e não temos a real dimensão de como ainda nos afetará.

Estima-se que, até 2027, o mercado global de Inteligência Artificial deverá movimentar US$ 733,7 bilhões, segundo relatório da consultoria Grand View Research. Previsões da Bloomberg Intelligence sugerem que o segmento pode alcançar a marca de US$ 1,3 trilhão até 2032. Já a projeção do McKinsey Global Institute estima que a IA deve injetar US$ 4,4 trilhões anualmente na economia mundial.

Todavia, na mesma proporção em que se investe em sistemas computacionais voltados à prática de atos processuais, deve-se investir em mecanismos de controle que guarneçam o contraditório substancial, a ampla defesa, a isonomia e a publicidade algorítmica.