ENSAIO SOBRE A RACIONALIDADE JURÍDICA E A CÓLERA PUNITIVISTA

Esse é um daqueles casos polêmicos, daqueles que são utilizados pelos meios de comunicação em massa, notadamente os característicos programas policialescos da rede aberta de televisão brasileira. Possuindo detalhes simbólicos, como será delineado adiante, parece consequencialmente natural que ocorram violações às garantias fundamentais e processuais daquele que praticou “tão horrendo” fato. Mas, afinal, podemos naturalizar tais violações? Quais são e serão as consequências dessa banalização? Antes de mais nada, vamos ao caso.

O CASO

Trata-se de Habeas Corpus (HC) substitutivo de Recurso Especial (REsp), impetrado perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ)[1] após o julgamento de Recurso de Apelação em processo do Tribunal do Júri no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Após o julgamento da Apelação, que por maioria negava provimento ao recurso da Defesa, o Paciente opôs Embargos Infringentes, os quais foram rejeitados na origem, dando azo ao writ em testilha.

O julgamento do caso foi afetado à 3ª Seção do STJ, tendo em vista as diferentes decisões tomadas nas Quinta e Sexta Turmas, que possuem competência criminal nesta Corte Superior de Justiça.

Em aguda síntese, o pleito levado ao STJ se lastreou no fato de que, embora houvesse sido aplicada uma pena superior à 4 (quatro) e inferior à 8 (oito) anos de reclusão, e suas condições pessoais terem sido consideradas plenamente favoráveis quando da fixação da pena através da primeira fase da dosimetria, o regime inicial fixado para o cumprimento da reprimenda foi o mais gravoso.

A imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, portanto, ofendeu os ditames do Código Penal (Art. 33, §2º, b)[2]), tendo em vista que foram consideradas totalmente favoráveis as circunstâncias judiciais (Art. 59, caput, CP) do Paciente quando da fixação da pena-base, na primeira fase da dosimetria da pena realizada pelo juiz Presidente do Tribunal do Júri em tela.

O impetrante narra, portanto, que estaria havendo constrangimento ilegal em razão da fixação de regime inicial mais gravoso com fundamentação exclusiva na gravidade abstrata do delito praticado.

Na origem, houve condenação pelo Tribunal Popular a uma pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pela prática de homicídio tentado, qualificado pelo motivo fútil, contra mulher grávida de 4 (quatro) meses com quem nutria relações domésticas e ainda na presença do filho de 4 (quatro) anos da vítima.


[1] RISTJ – “Art. 12. Compete às Seções processar e julgar: VII – As questões incidentes em processos de competência das Turmas das respectiva área de especialização, as quais lhes tenham sido submetidas por essas”.

[2] Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime.


O MANDAMUS

O Habeas Corpus substitutivo ao recurso próprio, como todos sabemos, possui cada vez menos infringência nas nossas cortes superiores, as quais vêm adotando, ao longo dos anos, posicionamento cada vez mais restritivos quando o assunto é o conhecimento do remédio heroico.

Tal posicionamento foi publicado no “Jurisprudência em Teses” n.º 36, publicado 10 de junho de 2015 pelo próprio STJ, onde se afirma logo na primeira tese que:

O STJ não admite que o remédio constitucional seja utilizado em substituição ao recurso próprio (apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco à revisão criminal, ressalvadas as situações em que, à vista da flagrante ilegalidade do ato apontado como coator, em prejuízo da liberdade da paciente, seja cogente a concessão, de ofício, da ordem de habeas corpus.

Houve uma primeira definição desta temática quando do julgamento do HC n.º 113.198 pelo STF. Conforme nos narra Rômulo Moreira[3], já haviam votados dois ministros, sendo que Dias Toffoli se posicionara pelo amplo conhecimento do “remédio constitucional”, após fazer uma incursão histórica sobre o papel desse instituto, enquanto que Luis Roberto Barroso abriu a divergência para não conhecer do writ.

Antes disso, a questão fora discutida em 2014 no julgamento do HC n.º 109.956, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, quando houve uma mudança de entendimento da Primeira Turma do STF, não consensual, para a restrição ao conhecimento dos HC’s substitutivos.

Outrossim, temos que as exceções a esse entendimento partem do pressuposto que a situação levada até a Corte possui uma flagrante ilegalidade, e foi valendo-se dessa margem jurisprudencial que o Relator Min. Felix Fischer não conheceu do HC, mas concedeu a ordem de ofício, ab initio, para fixar o regime prisional semiaberto. Tal margem para avaliar essas exceções foi inaugurada pelo STJ[4], quando se decidiu pela concessão de ofício da ordem para “fazer cessar manifesta ilegalidade que resulte no cerceamento do direito de ir e vir do paciente”.

No julgamento de mérito, o Relator votou pela confirmação da ordem concedida em sede de liminar, sendo vencido pela maioria, composta pela Min. Maria Thereza de Assis Moura (relatora para o acórdão), Min. Jorge Mussi, Min. Rogério Schietti Cruz, Min. Nefi Cordeiro, Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Min. Ribeiro Dantas, Min. Antônio Saldanha Palheiro e Min. Ilan Paciornik, em sessão presidida pelo Min. Sebastião Reis Júnior.

Restou vencido sozinho, portanto, o relator da matéria Min. Felix Fischer, o qual despendeu sem êxito robustas argumentações em prol da manutenção mínima de uma racionalidade jurídica na aplicação da pena e das condições para o seu cumprimento no caso concreto. Abordaremos tal raciocínio em seguida.

Nesse quadrante da análise, é importante que exploremos a importância fulcral que adquiriu o HC para o nosso sistema jurídico, tendo em vista que este instituto é muitas vezes a única possibilidade que o ordenamento permite para se levar rapidamente questões que ameacem a vida e a liberdade dos indivíduos até as cortes brasileiras.


[3] Disponível em: http://emporiododireito.com.br/as-teses-prevalecentes-no-superior-tribunal-de-justica-sobre-o-nao-cabimento-do-habeas-corpus-por-romulo-andrade-moreira/ Acessado em: 15.5.2017.

[4]  HC 211.806/MG, rel. Min. Alderita Ramos de Oliveira, j. 27.11.2012, DJe 05.12.2012.


Sobre a matéria, Fabio Delmanto[5], alerta-nos:

que o habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, embora não previsto em lei, passou a ser admitido pela jurisprudência de todos os Tribunais pátrios (inclusive do STF e do STJ), em virtude da necessidade de se garantir –imediatamente e com a máxima urgência a defesa da liberdade do cidadão contra eventuais arbitrariedades ou ilegalidades perpetradas por autoridades públicas. (…) Busca-se, com isso, evitar um mal maior e impedir que o constrangimento ilegal seja mantido sem um remédio ou socorro imediato, o que sem dúvida constitui um das marcas mais significativas de nosso Estado Democrático de Direito. O uso do chamado habeas corpus substitutivo de recurso ordinário é justificável, portanto, pela urgência do caso concreto e pela morosidade no trâmite do recurso ordinário (tanto na instância inferior quanto na instância superior). (…) A inexistência de liminar no recurso ordinário é, sem dúvida, outro argumento que justifica o uso imediato do habeas corpus substitutivo, em que a liminar é cabível, desde que demonstrada a manifesta ilegalidade e a urgência do caso concreto (p. ex., a prisão ilegal). A abolição do habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, em prol exclusivamente do uso do recurso ordinário de habeas corpus, tal como decidido recentemente pelo STF (1.ª Turma) e seguida agora pelo STJ (5.ª Turma), trará consequências gravíssimas – e ainda incalculáveis – aos cidadãos, especialmente nos casos de patente ilegalidade na liberdade de ir e vir. Daí o grave atentado à democracia praticado pelos Tribunais Superiores.

Resta, por conseguinte, evidenciado o papel histórico do HC; mas, para além de sua importância histórica, temos que reconhecer o papel que possui esse instituto para o resguardo da própria ordem democrática e constitucional, quando permite que cheguem às Cortes brasileiras casos de extremas violações às garantias e direitos fundamentais, notadamente relacionados à liberdade, fazendo cessar inúmeras coações ilegais praticadas em todo o Brasil.


[5]  Boletim do IBCCrim, Ano 21, nº. 243 – ISSN 1676-3661, p. 16.


A QUERELA JURÍDICA E A RACIONALIDADE SISTÊMICA

No caso concreto, temos que a pena-base foi fixada no mínimo legal (12 anos de reclusão) para o delito de homicídio qualificado (Art. 121, §2º, II e III[6]), uma vez que todas as circunstâncias judiciais (Art. 59, CP) foram consideráveis favoráveis ao acusado.

Neste ponto, é interessante notar que o próprio Codex material penal nos traz uma diretriz para enfrentar essa questão, quando coloca nos incisos do citado dispositivo, o uso que o magistrado deve fazer de tais circunstâncias judiciais, conforme se ver adiante:

Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime:

I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;

II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;

III – o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade;

IV – a substituição da pena privativa da liberdade aplicada, por outra espécie de pena, se cabível.

Dessa forma, é importante perceber que o legislador orientou expressamente o Juízo sentenciante, no sentido que, ponderando todas as circunstâncias apontadas (a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do crime, bem como o comportamento da vítima) o juiz deverá determinar: (i) as penas aplicáveis dentre as cominadas (isto é, se detenção, reclusão ou prisão simples, ou ainda a multa, isolada ou cumulativamente); (ii) a quantidade de pena aplicável (ou seja, o quantum de pena em tempo, estipulada dentro do parâmetros máximos e mínimos impostos pelo legislador no próprio tipo penal); (iii) o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade (se fechado, aberto ou semiaberto); e (iv) a substituição da pena privativa da liberdade, por outro tipo de pena (à exemplo das penas restritivas de direitos).


[6] §2° Se o homicídio é cometido:

II – por motivo futil;

III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;

Pena – reclusão, de doze a trinta anos


Nessa esteira, devemos ponderar que se as circunstâncias judiciais foram consideradas totalmente favoráveis, ao ponto de culminar na estipulação de uma pena (ii) mínima, não há sustentáculo racional na tese de que o regime inicial fixado (iii) deva ser o mais severo (fechado) tomando por base essas mesmas circunstâncias.

Foi isso que, com maestria, defendeu em seu voto o Relator para a matéria do caso, o Min. Felix Fischer.

Ainda, fez questão de lembrar o óbvio ululante, pois ainda teve que afastar o fundamento do Acórdão recorrido que se lastreava ainda no Art. 2º, §1º[7], da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), declarado inconstitucional pelo STF[8] desde 2012 por ferir o princípio constitucional da individualização da pena.

Não por outra razão foi aprovada e publicada, desde 2003, a Súmula 719 do STF, a qual aduz com razão que “A imposição de regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige fundamentação idônea”.

Contrariamente ao posicionamento esposado após a citada declaração de inconstitucionalidade, o STJ no caso em análise foi em contradição à sua própria jurisprudência, tendo em vista que é assente nesta Corte Superior que cabe até mesmo ao Juízo das Execuções o ajuste do regime inicial de cumprimento de pena fixado em sentença que se fundamenta no inconstitucional Art. 2º,  §1º, da Lei 8.072/1990. Nesse sentido, vejamos[9]:

Fixado o regime inicial fechado com base no §1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990, posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (HC 111.840/ES, julgado em 27/6/2012), cabe ao Juízo da Execução, tendo em vista o trânsito em julgado da condenação, reavaliar os elementos concretos dos autos, à luz do art. 33, §§2º e 3º, do Código Penal, para verificar qual o regime inicial adequado para o paciete. Precedente: AgRg no HC n. 257.178/SP, Relatora Ministra Assusete Magalhães, 6ª Turma, DJe 23.9.2013; HC n. 226.064/DF, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 24.4.2013.

Ademais, temos a própria jurisprudência consolidada no âmbito do STJ, que sumulou entendimento que coaduna ao defendido no caso concreto pelo Min. Felix Fischer, conforme se observa da Súmula 440 deste tribunal quando ressalta que: “Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito”.


[7] A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado.

[8] HC n.º 111.840/ES, Rel. Min. Dias Toffoli. Julgado em 26 de junho de 2012.

[9] STJ, HC n. 307.902/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Ericson Maranhão, julgado em 16.12.2014. DJe de 3.2.2014; STJ, HC n. 288.376/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Marilza Maynard, julgado em 18.8.2014, DJe de 25.8.2014.


É preciso, pois, um entendimento harmônico que integre as disposições legais e jurisprudenciais, no sentido de dotar o sistema jurídico de coerência, tendo em vista até mesmo o princípio da isonomia (Art. 5º, caput[10], CF).

No voto do Min. Felix Fischer observamos um argumento que traz coerência aos dispositivos legais analisados, quando o mesmo afirma que o emprego do verbo “far-se-á”, no Art. 33, §3º[11], CP, vincula o entendimento do magistrado, quando da fixação do regime inicial para cumprimento da reprimenda penal, à valoração realizada quando da análise das circunstâncias judiciais do Art. 59, CP. É uma diretriz legal que traz coerência interna às sentenças penais condenatórias.

O contrário nos trará um quadro de incongruência interna, pois é contraditória a valoração dos fatos na própria sentença, e externa tendo em vista que o entendimento contraria diversos entendimentos jurisprudenciais, inclusive sumulados.

Nesse sentido, temos o posicionamento exposto pelo Min. Teori Zavascki, quando do julgamento do HC n. 117.813, in verbis:

A fixação de pena-base (art. 59) no mínimo legal, porque favoráveis todas as circunstâncias judicias, e a imposição do regime mais gravoso do que aquele abstratamente imposto no art. 33 do Código Penal revela inequívoca situação de descompasso com a legislação penal. A invocação abstrata das causas de aumento de pena não podem ser consideradas, por si sós, como fundamento apto e suficiente para agravar o regime prisional, por não se qualificarem como circunstâncias judiciais do art. 59. Inteligência do enunciado 718 da Súmula do STF.

Não podemos, assim, utilizar os mesmos elementos de análise, ora como favoráveis, ora como desfavoráveis. Não é possível, dentro dos parâmetros democráticos que nos impõe o regime jurídico-constitucional, sopesar o mesmo fato a partir de duas óticas, dentro do mesmo caso concreto, sendo uma perspectiva utilizada para favorecer o acusado (à medida que sua pena-base foi fixada no mínimo legal em razão de ter-se consideradas favoráveis todas as circunstâncias do caso) e outra dimensão do mesmo fato sendo ponderada no sentido de agravar a situação do sujeito a partir da imposição de um regime de cumprimento mais severo do que aquele que a lei permite.


[10] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade

[11]  “§ 3º – A determinação do regime inicial de cumprimento da pena far-se-á com observância dos critérios previstos no art. 59 deste Código”.


Como disse o Min. Fischer em seu voto, “a fixação da pena-base mínima com avaliação favorável às circunstâncias judiciais conduz claramente ao obstáculo para fixação de regime mais gravoso, uma vez que o artigo 59 do CP não pode ser interpretado de forma diametralmente oposta na mesma sentença condenatória, ainda que em momentos distintos, pois a avaliação se refere ao mesmo dispositivo legal”. Para fundamentar seu posicionamento, o Min. Fischer faz uma longa rediscussão dos precedentes[12] que embasaram a edição da Súmula 440/STJ.

É preciso coerência e harmonização entre os pontos apresentados, sendo certo que o STJ no julgamento do caso em testilha, talvez por adesão às fortes pressões externas existentes em casos simbólicos como este, desconsiderou por completo o método hermenêutico de análise sistemática, que deve ser aplicado nos dispositivos do Código Penal que regulam a matéria (Arts. 33, 59 e 68[13]) em consonância com os entendimentos jurisprudenciais, notadamente aqueles já sumulados (440/STJ e 718[14]-719/STF).

A divergência, contudo, foi aberta pela Min. Maria Thereza de Assis Moura, a qual entende que a fundamentação de piso ultrapassou o patamar da gravidade abstrata do delito, considerando válidos os argumentos utilizados para fixar o regime prisional mais gravoso in casu, citando vários precedentes do STJ, inclusive de sua lavra, e do STF.

A divergência foi acompanhada, sem muitos debates acerca de toda a fundamentação jurídica esposada pelo Min. Felix Fischer, e também sem adentrar na diferenciação in concreto do que seriam os elementos relativos à gravidade abstrata em contraposição aos que seriam aptos à legitimamente fixar um regime mais gravoso que o legalmente permitido.

É como diz o Maestro Lênio Streck[15], quando nos apresenta o que seja o privilégio cognitivo do juiz, segundo o qual:

Eis um problema que venho denominando de PCJ (Privilégio Cognitivo do Juiz), sufragado pela dogmática jurídica nos livros e nas salas de aula em um país que nem tem quadros para lecionar em tantas faculdades. Professores formados a machado para suprir tantas vagas em tantas faculdades. Um país de direitos simplificados, facilitados, mastigados… Compêndios. Resumões. Coachings. Interessante: Essa mesma dogmática queijo suíço se queixa exatamente daquilo que ela mesma sempre fomentou: que no processo, há um PCJ. Tenho amigos, juristas importantes, que levaram anos para me dar razão. Eles achavam que, em sendo o livre convencimento “motivado”, estava atendido o requisito constitucional da fundamentação. Queriam me aplicar a velha história da prova tarifada (como disse um outro Amigo dia destes, ironicamente, “- hoje se a prova fosse tarifada, seria bem melhor…”!). De todo modo, para minha satisfação, hoje uma pequena parcela dos processualistas concorda comigo nessa cruzada contra o protagonismo, o instrumentalismo, o livre convencimento (que é um problema filosófico-paradigmático e não de história de tarifação de prova) e tudo o que disso decorre na vida dos causídicos e dos cidadãos submetidos ao MP e ao PJ. O acusado acaba dependendo do PCJ e não do arsenal de garantias que a CF e o CPP lhe dão. E isso não é democrático.

E nada se falou sobre tudo que ali cabia de argumentação jurídica: apontou-se um caminho iluminado que foi seguido unanimemente por todos os demais membros do órgão colegiado. E assim se firmou o entendimento que orienta a jurisprudência da Justiça Comum do Brasil nessa matéria criminal. E assim se fez. Sem muita divagação, sem muita desfaçatez.


[12] HC n. 90.915/SP; HC n. 34.573/SP; HC n. 36.112/RJ; HC n. 76.919/RJ; HC n. 90.503/SP; HC n. 99.366/SP; ressalvando um único posicionamento em contrário, esposado pelo Min. Napoleão Nunes Maia Filho, quando do julgamento do HC n. 164.665/MS.

[13] Art. 68 – A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento.

[14] “A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada”.

[15] Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-jul-28/senso-incomum-advocacia-virou-exercicio-humilhacao-corrida-obstaculos Acessado em: 15.5.2017.


E nada se falou sobre tudo que ali cabia de argumentação jurídica: apontou-se um caminho iluminado que foi seguido unanimemente por todos os demais membros do órgão colegiado. E assim se firmou o entendimento que orienta a jurisprudência da Justiça Comum do Brasil nessa matéria criminal. E assim se fez. Sem muita divagação, sem muita desfaçatez.

Com Brecht[16], temos que nos monitorarmos para que não aceitemos silentes e passivos as violações de direitos e garantias fundamentais de qualquer que seja o cidadão, mesmo que sejam os direitos de nossos adversários políticos e/ou ideológicos, de ocasião ou não. Por isso, não podemos admitir a supressão do Estado Democrático e Constitucional de Direito nas suas manifestações cotidianas, no deslinde das situações da vida comum, pois essa condição encerra, em si, a própria essência em potencial da democracia.


[16] BERTOLT, Brecht: “Primeiro levaram os negros / Mas não me importei com isso / Eu não era negro /
Em seguida levaram alguns operários / Mas não me importei com isso / Eu também não era operário / Depois prenderam os miseráveis / Mas não me importei com isso / Porque eu não sou miserável /
Depois agarraram uns desempregados / Mas como tenho meu emprego / Também não me importei / Agora estão me levando / Mas já é tarde. / Como eu não me importei com ninguém / Ninguém se importa comigo”.


Originalmente publicado na Revista dos Tribunais, Ano 106, vol. 982.

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